sexta-feira, dezembro 21, 2007

A maçã - Parte 3


Primeiro, começou a sentir um cheiro familiar: era o cheiro de terra molhada, de caruma, das folhas a aprodecer no solo escuro e rico. Depois começou a sentir a pele através da brisa que soprava. A seguir, despertaram os ouvidos e o ruído da mesma brisa a roçar as folhas das árvores. Tacteou e sentiu um as folhas e a terra que estavam debaixo de si. Perto de si sentiu barulhos, diversos dos do vento nas árvores. Não estava sózinho.

Depois, sentiu os olhos e achou que talvez os pudesse abrir. Abriu e olhou em volta. Por cima de si, as copas das árvores. Ao seu lado, um personagem com uma vozinha de falsete, que lhe disse:

- Sim senhor! Agora é que a fizeste bonita! Não tens vergonha?

- Hã? - Perguntou ele estremunhado e com os olhos ainda a habituarem-se à claridade, ao mesmo tempo que tentavam apreciar a personagem que quase o insultava.

- Estás parvo agora? Ainda estás a dormir? Parecia que estavas acordado, mas estás com tamanha cara de Parvo!... - A vozinha de falsete vociferava, de uma forma cada vez mais irritante.

- Mas afinal quem és tu? - perguntou o personagem, um homem adulto, de barba, deitado e andrajosamente vestido.

- EU? Ai agora já não me conheces? - A voz passou da raiva para o lamento e continuou - Oh, Meu Deus, onde isto chegou... ele já nem me reconhece...

O interlocutor continuava parado, à espera de algo que se assemelhasse mais a uma resposta.

O personagem era baixo e aquilo a que se costuma chamar gordinho. Redondinho, para ser mais preciso. Tinha uns lindos cachinhos loiros, mais apropriados a uma menina de 10 anos do que à sua figura, que caíam fazendo rolinhos. Trazia - muito estranho - uma apenas uma tanguinha, de cetim branco. À medida que se movimentava, o homem que estava deitado via nas suas costas umas coisinhas, pequeninas e ridículas, também brancas, mas recusou-se a aceitar o que via. Não, disse ele, não podem ser asas.

- Eu sou o Anjo Noel, meu grande parvo sem memória!

-Não - respondeu o outro. Os anjos não existem.

- Pronto... já começou! - choramingou o anjo Noel. Já não te lembras de mim, já não acreditas em mim.... ohhhh... chuif...

- Mas porque raio é que eu estou aqui deitado?

- Também não te lembras disso, pois não? Foi porque comeste uma maçã. O grande parvo não conseguiu resistir!...

- Oh, sim - Os olhos de Adão iluminaram-se - Não resisti à tentação! Pois é!

- Pois, meu idiota. E por causa desse acto louco e impensado, vieste parar a este mundo cheio de vícios e corrupções, este mundo que NÃO É o paraíso, meu caro - ironizou o anjo.

- Em compensação - disse Adão, a sentar-se e a mexer-se um bocadinho - já sei para que serve a Eva. Afinal não é só para dizer mal de todos os animais da floresta.

- Mas que conversa é essa? Estamos aqui para proceder ao teu arrependimento. Vamos lá! Vergonha é o que precisamos.

- Hmmmm- respondeu Adão. Talvez. Mas ainda não.


Levantou-se. Ajeitou o trapinho e começou a vaguear pelo bosque. o anjo sentou-se numa pedrinha e começou a tamborilar com os dedos. Adão, cada vez mais longe, parecia gritar algo como:


- Eva, Eva, onde estás! ... anda cá.... Eva.... tenho uma coisa para te mostrar.... Evinha.... vem ao papai...

3 comentários:

Jo disse...

pode dizer-se que adão, finalmente, acordou para a vida :p

;)*

Abssinto disse...

Ahaha divertidíssimo! a prova de como em cada um de nós homens reside um grunho;)

Anônimo disse...

Marie:
Foi um acordar entusiasmado!

Abs
Gostaria de acreditar que tal não é verdade, que ainda há homens "grunho free"

Beijinhos aos dois