quinta-feira, março 08, 2007

A Casa


Não se chama o meu blog “a bela casa” sem uma razão válida.

A casa sempre foi um tema importantíssimo para mim. Talvez, diriam os astrólogos, por ser canceriana. Morar na casa perfeita sempre foi o meu fetiche. Imaginá-la. Imaginar os fundos ilimitados para a mobilar e equipar. Criá-la bela, confortável, cheia de recantos e de encantos e com todos os quadros em ponto cruz (puro exercício de matemática) que a minha vida inteira não daria para bordar. Com muita luz. Com belos móveis. Com um tema para cada divisão. Essa é a minha casa. Só minha.

A vida brinca comigo da maneira irónica como o costuma fazer e que os mortais só costumam entender, suponho, na hora da morte. E assim, de tanto o desejar, ainda não me arrisquei a comprá-la. Em parte pela constatação do sistema absurdo que rodeia os preços dos imóveis e da certeza de não querer participar nele; em parte por não ter certezas das minhas capacidades para a pagar. E em parte porque a perfeição ainda não apareceu numa curva da estrada.

Restou-me então um rasto de 19 casas em que morei desde dos 19 anos. Umas por um mês; outras por um ano. Não cheguei nunca a morar 2 anos na mesma casa. Já morei num palacete onde habitou provisoriamente o bispo do Porto, algures no século XIX, no quarto por cima da capela; já morei numa casinha quase na ribeira da mesma cidade; já morei numa pracinha de Nápoles onde os traficantes de droga queimavam carros à noite. Já morei a 100 m do calçadão de Copacabana. Sózinha; acompanhada; com velhinhas chatas; com grandes amigas; com pessoas chanfradas; com os pais. Com pouca coisa. Com tudo instalado. Com uma vida monótona; com borgas frequentes. Com uma faca na mesa de cabeceira, por um louco problema de segurança; estudando no jardim; espreitando no pátio para ver se havia ladrões; saindo de bikini para ir para a praia...

Mas houve sempre um cantinho encantador em cada casa. E por cada nova casa, uma onda nova, algo de inesperado. Houve casas em que quase ganhei mofo e houve outras em que aconteceu tudo e mais alguma coisa.

Porque motivo mudei tantas vezes de casa? Bom, por tantos motivos... porque não gostava das colegas de casa, porque fui para outra cidade, porque estava num posto cheio de prostitutas, porque me cansei da fulana que não lavava os lençóis nem limpava a casa, porque não tinha sol suficiente, porque tinha recados nos armários a dizer para não usar a loiça e para fechar bem o frigorífico, porque tinha que subir 4 lances de escadas a pé e a EMEL me multava todos os dias. Tantos motivos quantas as casas...

Agora quero assentar. Passei os últimos dias a limpar uma nova casa. E no entanto, não sei se aqui vou ficar mais de um mês. Talvez a perfeição ou o Euromilhões me encontrem entretanto. Talvez me esperem ondas e pessoas novas.

E finalmente, talvez exista mesmo a casa na praia que na minha alma sempre existiu. De que conheço de cor todos os recantos. Que é mais real que um sonho.

Ela fica atrás de mim. Eu estou sentada junto ao mar, vestida de branco e, devagar, vai se aproximando uma das pessoas que mais amo.

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