quarta-feira, julho 26, 2006

Rio de Setembro

Hoje os meus olhos poisaram num calendário que bons amigos me deram com fotos do Rio de Janeiro. Estava ainda no mês de Junho. Virei-o para o mês de Julho e dei uma olhadela nas fotos dos outros meses. Depois, poderia citar metade das músicas de Bossa Nova que falam do Rio de Janeiro, da saudade e dos amores (perdidos?).

É estranho, muito estranho o que sinto por essa cidade. Recapitulando:

Quando cheguei, durante a primeira semana, não vi cidade nenhuma. Vi apenas muitos problemas, que nada tinham a ver com o lugar onde estava. Ao fim da primeira semana, quando a minha chefe tomou o avião para regressar a Portugal, senti-me órfã, completamente órfã. E não é que a chefe fosse alguma substituição terapêutica de mãe.

Durante a maior parte do tempo, devo confessar, talvez para tristeza dos meus amigos brasileiros, tive medo. No início era um medo sufocante: andava muito depressa pelo jardim de Santana e não queria falar no metro. Depois começaram os medos específicos: medo de encontrar pela rua os pivetes de Copacabana; medo de andar tarde pela rua; medo de ser assaltada (claro!); medo de ir ao caixa sacar dinheiro; medo de viajar sozinha. Lamentavelmente, reconheço-o agora, para me sentir mais protegida, fechei-me um pouco na minha ostra e com isso talvez tenha perdido algumas coisas boas que a vida poderia ter para me dar.

Muitas vezes, ao passear de moto por Copacabana e Ipanema, ao ir de ônibus para o trabalho, pensava: quero gravar esta imagem com muita força no meu íntimo, porque sei que o meu tempo está contado e depois não sei se alguma vez vou voltar. Talvez isso também tenha contribuído para não aproveitar tanto: vivia angustiada e com saudades de casa e não aproveitava o que tinha – e tinha consciência disso.

Hoje a minha imagem do Rio de Janeiro é diferente: consigo ver o encanto através da miséria. Demorou quase um ano, mas consigo-o agora. Lembro as vezes que fui até ao fim da praia do Leme e daí contemplei toda Copacabana; do jardim botânico com suas belíssimas palmeiras; lembro-me da cor do mar antes de chegar à Barra; da Pedra do Arpoador, que eu só tardiamente descobri; das ruas interiores de Ipanema e das esplanadas da Lagoa Rodrigues de Freitas (que lá não se chamam esplanadas).

Se eu voltaria agora? Mesmo sem os “Negócios de Portugal”[1]? Só para rever a cidade? Voltaria sim. Claro que na primeira ocasião visitaria a Rua de Santa Clara, coração de Copacabana, e compraria a roupinha da estação, só para camuflar. Mas voltaria. Para Copacabana. Para olhar tudo de novo, sem medos e sem o espectro das falhas laborais. Só para comer as mangas; a água de coco. Caminhar na água do mar, mesmo que poluída; só para comprar outra máscara de Carnaval ao vendedor da rua; só para espreitar um lugar de confecção de fantasias antes do Carnaval; só para ser chamada de patrícia e ouvir pacientemente as imitações mais rocambolescas da pronúncia lusa. Só para lembrar o que vivi, e que agora parece tão longínquo…

Como dizia a música (portuguesa)
"Foi em Setembro que partiste"...


[1] Consistem em bijuteria, bikinis, sabonetes e algumas coisinhas mais.

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