Hoje os meus olhos poisaram num calendário que bons amigos me deram com fotos do Rio de Janeiro. Estava ainda no mês de Junho. Virei-o para o mês de Julho e dei uma olhadela nas fotos dos outros meses. Depois, poderia citar metade das músicas de Bossa Nova que falam do Rio de Janeiro, da saudade e dos amores (perdidos?).
É estranho, muito estranho o que sinto por essa cidade. Recapitulando:
Quando cheguei, durante a primeira semana, não vi cidade nenhuma. Vi apenas muitos problemas, que nada tinham a ver com o lugar onde estava. Ao fim da primeira semana, quando a minha chefe tomou o avião para regressar a Portugal, senti-me órfã, completamente órfã. E não é que a chefe fosse alguma substituição terapêutica de mãe.
Durante a maior parte do tempo, devo confessar, talvez para tristeza dos meus amigos brasileiros, tive medo. No início era um medo sufocante: andava muito depressa pelo jardim de Santana e não queria falar no metro. Depois começaram os medos específicos: medo de encontrar pela rua os pivetes de Copacabana; medo de andar tarde pela rua; medo de ser assaltada (claro!); medo de ir ao caixa sacar dinheiro; medo de viajar sozinha. Lamentavelmente, reconheço-o agora, para me sentir mais protegida, fechei-me um pouco na minha ostra e com isso talvez tenha perdido algumas coisas boas que a vida poderia ter para me dar.
Muitas vezes, ao passear de moto por Copacabana e Ipanema, ao ir de ônibus para o trabalho, pensava: quero gravar esta imagem com muita força no meu íntimo, porque sei que o meu tempo está contado e depois não sei se alguma vez vou voltar. Talvez isso também tenha contribuído para não aproveitar tanto: vivia angustiada e com saudades de casa e não aproveitava o que tinha – e tinha consciência disso.
Hoje a minha imagem do Rio de Janeiro é diferente: consigo ver o encanto através da miséria. Demorou quase um ano, mas consigo-o agora. Lembro as vezes que fui até ao fim da praia do Leme e daí contemplei toda Copacabana; do jardim botânico com suas belíssimas palmeiras; lembro-me da cor do mar antes de chegar à Barra; da Pedra do Arpoador, que eu só tardiamente descobri; das ruas interiores de Ipanema e das esplanadas da Lagoa Rodrigues de Freitas (que lá não se chamam esplanadas).
Se eu voltaria agora? Mesmo sem os “Negócios de Portugal”[1]? Só para rever a cidade? Voltaria sim. Claro que na primeira ocasião visitaria a Rua de Santa Clara, coração de Copacabana, e compraria a roupinha da estação, só para camuflar. Mas voltaria. Para Copacabana. Para olhar tudo de novo, sem medos e sem o espectro das falhas laborais. Só para comer as mangas; a água de coco. Caminhar na água do mar, mesmo que poluída; só para comprar outra máscara de Carnaval ao vendedor da rua; só para espreitar um lugar de confecção de fantasias antes do Carnaval; só para ser chamada de patrícia e ouvir pacientemente as imitações mais rocambolescas da pronúncia lusa. Só para lembrar o que vivi, e que agora parece tão longínquo…
Como dizia a música (portuguesa)
"Foi em Setembro que partiste"...
[1] Consistem em bijuteria, bikinis, sabonetes e algumas coisinhas mais.
É estranho, muito estranho o que sinto por essa cidade. Recapitulando:
Quando cheguei, durante a primeira semana, não vi cidade nenhuma. Vi apenas muitos problemas, que nada tinham a ver com o lugar onde estava. Ao fim da primeira semana, quando a minha chefe tomou o avião para regressar a Portugal, senti-me órfã, completamente órfã. E não é que a chefe fosse alguma substituição terapêutica de mãe.
Durante a maior parte do tempo, devo confessar, talvez para tristeza dos meus amigos brasileiros, tive medo. No início era um medo sufocante: andava muito depressa pelo jardim de Santana e não queria falar no metro. Depois começaram os medos específicos: medo de encontrar pela rua os pivetes de Copacabana; medo de andar tarde pela rua; medo de ser assaltada (claro!); medo de ir ao caixa sacar dinheiro; medo de viajar sozinha. Lamentavelmente, reconheço-o agora, para me sentir mais protegida, fechei-me um pouco na minha ostra e com isso talvez tenha perdido algumas coisas boas que a vida poderia ter para me dar.
Muitas vezes, ao passear de moto por Copacabana e Ipanema, ao ir de ônibus para o trabalho, pensava: quero gravar esta imagem com muita força no meu íntimo, porque sei que o meu tempo está contado e depois não sei se alguma vez vou voltar. Talvez isso também tenha contribuído para não aproveitar tanto: vivia angustiada e com saudades de casa e não aproveitava o que tinha – e tinha consciência disso.
Hoje a minha imagem do Rio de Janeiro é diferente: consigo ver o encanto através da miséria. Demorou quase um ano, mas consigo-o agora. Lembro as vezes que fui até ao fim da praia do Leme e daí contemplei toda Copacabana; do jardim botânico com suas belíssimas palmeiras; lembro-me da cor do mar antes de chegar à Barra; da Pedra do Arpoador, que eu só tardiamente descobri; das ruas interiores de Ipanema e das esplanadas da Lagoa Rodrigues de Freitas (que lá não se chamam esplanadas).
Se eu voltaria agora? Mesmo sem os “Negócios de Portugal”[1]? Só para rever a cidade? Voltaria sim. Claro que na primeira ocasião visitaria a Rua de Santa Clara, coração de Copacabana, e compraria a roupinha da estação, só para camuflar. Mas voltaria. Para Copacabana. Para olhar tudo de novo, sem medos e sem o espectro das falhas laborais. Só para comer as mangas; a água de coco. Caminhar na água do mar, mesmo que poluída; só para comprar outra máscara de Carnaval ao vendedor da rua; só para espreitar um lugar de confecção de fantasias antes do Carnaval; só para ser chamada de patrícia e ouvir pacientemente as imitações mais rocambolescas da pronúncia lusa. Só para lembrar o que vivi, e que agora parece tão longínquo…
Como dizia a música (portuguesa)
"Foi em Setembro que partiste"...
[1] Consistem em bijuteria, bikinis, sabonetes e algumas coisinhas mais.
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