segunda-feira, março 10, 2008

Discorrendo sobre o desejo




Era um rapaz e chamava-se António.




Como descrever a figura de António? As mulheres olhavam para ele quando ele passava na rua. 1.85 m, 26 anos. O cabelo loiro era farto, longo e atado num rabo de cavalo. Ele amava o cabelo. Chegava a ir ao cabeleireiro fazer tratamentos especiais, apesar de depois nunca o mostrar solto, em todo o seu esplendor. Os olhos eram castanhos claros. O nariz e a boca eram regulares, sem nenhuma marcar distintiva, mas o conjunto era harmonioso. Mais do que isso. O conjunto era muito belo. Na verdade, António parecia um deus de alguma mitologia nórdica.




António não tinha um corpo invejável porque não valorizava o corpo que tinha. Comia as coisas erradas e não queria fazer exercício físico. Mas, se tivesse o corpo certo, estaria agora nas páginas das revistas, a anunciar perfumes masculinos.




António adorava a noite e a vida nocturna. Gostava de se divertir e de dançar. Nas discotecas para onde ia, as mulheres não podiam deixar de o olhar, de o admirar, de se exibirem perante ele, para tentarem conquistar a sua atenção. Ele por vezes dava-lhes essa atenção, mas não eram elas o motor do seu gosto pela noite.




O nosso rapaz era também seguro de si, em termos profissionais e sociais. Tão seguro que chegava a ser muito convencido de si e arrogante. Achava que poucos teriam alguma coisa a ensinar-lhe. Era impaciente e fazia apressados juízos pessoais.




Mas António tinha um segredo. Uma falha que o impedia de ser um verdadeiro e autêntico D. Juan.




António não desejava as mulheres. Não é que desejasse os homens, pelo menos que ele desse por isso. Simplesmente, a líbido não morava ali.




Gostava das mulheres pelo seu aspecto, pela sua cultura - eventualmente pelo seu dinheiro - mas não porque o fizessem suar frio. Não porque a sua corrente sanguínea se alterasse por causa delas. António não sentia falta de ter uma namorada, porque, simplesmente, não sentia a falta daquilo que só uma mulher lhe poderia dar.




As suas namoradas (que ele não percebia por que motivo o deixavam) diziam dele que era carinhoso, afectuoso e terno. Que passeava com elas de mão dada e as beijava ternamente. Mas, se na cama, que se virava para o outro lado e dormia, sem que a presença delas o emocionasse de alguma forma. Nenhuma noite era para ele uma oportunidade, enquanto que para cada mulher com quem estava, era uma noite perdida.




Uma vez por mês, sensivelmente, António esforçava-se e dava à namorada da época algo de si, numa performance fraca e curta.




E elas adoravam-no, mas não o compreendiam, nem suportavam aquilo que para elas era falta de interesse, que poderia até magoar a sua auto-estima.




Para ele isso era apenas um vazio, uma coisa que ele nunca soubera o que era: o desejo.




Muitas mulheres dizem por vezes que os homens seriam melhores sem profundo e insistente desejo; que é o desejo que os leva para os braços de outras, para muitos braços diferentes, em vez de continuarem na fidelidade desejada.




Se conhececem o António, porém, veriam que um homem sem desejo é como um carro sem gasolina. De que interessa se é um Ferrari?


Um comentário:

Jo disse...

pãozinho sem sal, esse António.

;)*