quinta-feira, outubro 18, 2007

Estacionar ou a arte do encontro

Algures no mês de Agosto, num belo fim de tarde, cheguei à Rua de Baixo e preparei-me para estacionar. Ao lado, estava a janela do vizinho n.º 1 e, na mesma, a fumar o cigarrinho, o vizinho n.º 1 (cinquenta e muitos, bigodaça, o peito nu com uma cruz ao pescoço). Procedo ao estacionamento, com alguma falta de eficácia e impaciência por estar a ter audiência. O carro ficou mal estacionado. Não me importo. Saio, olho para a distância que separa o carro do passeio, olho para o vizinho, o vizinho olha para mim. O embaraço leva-me a dizer: "Podia ter ficado melhor". Ao que ele responde que não é nada difícil, e que me vai ajudar. Volto para dentro do carro e faço a manobra que ele me indica. Vou para casa.

Um dia de Setembro, Beco perto da Igreja. Estou a estacionar em frente à janela do Vizinho n.º 2, um adolescente com olhar estranho (ou então tem um parafuso a menos, ainda não percebi bem). O n.º2 ouve o barulho, abre a persiana, olha para mim, eu vi-o, e começa a dar indicações para eu me aproximar do passeio sem bater. Agradeço com um gesto de mão, ainda dentro do carro e fujo para casa.

Semana passada. Chego do hipermercado quase 11 h da noite. Era noite de 12 de Outubro e, talvez por isso, realizava-se na igreja algum evento nocturno (esta bela igreja parece albergar mais eventos nocturnos que diurnos, diga-se), com a nefasta consequência de ser largamente assistido e de os assistentes não virem a pé. O largo e a Rua de Cima estavam todos cheios de carros. Dou duas voltas ao quarteirão, sem que ninguém tenha resolvido sair nesse intervalo. Então, resolvo estacionar provisoriamente na Rua de Baixo, trancando alguns carros mas sem impedir o trânsito, com os 4 piscas ligados, para começar a levar as compras para cima, enquanto alimentava a esperança de um lugar vago para breve. Quando volto para o carro e entro na Rua de Baixo, oiço uma voz, uns 60 m atrás de mim:

- PCHHHHHHHTT! VOCÊ!!!!!!!!!!!!
(Pausa)

Viro-me. Era o Vizinho n.º1.

- VOCÊ! TRAGA O CARRO QUE TEM LUGAR AQUI!

Avanço 100m na direcção oposta e, para não hostilizar a vizinhança, e até porque, realmente, era simpático estacionar, lá viro o carro e o levo até onde estava o vizinho.

-Ali, ali, estacione ali!
- Ali, naquele buraco? Mas o meu carro não cabe ali!
- Cabe cabe, então não cabe?
- Ali daquele lado tem mais espaço...
- Ali é a porta do prédio, não vai estacionar em frente da porta senão eles não conseguem sair - diz ele como se eu tivesse 4 anos. Volta à carga.
- Cabe aqui sim. Vá que eu ajudo. Comece a virar tudo para cá! Vá, tudo para cá. Torça, torça mais o volante. Vá, agora para a frente. Cuidado! Vá, agora destorça tudo para trás...

Continuámos assim até o meu carro caber num lugar minúsculo e inclinado. A certa altura ele já estava com as mãos na porta do carro, meio a amparar, meio a empurrar e eu cansadíssima de torcer e "destorcer". Quando saí tive que dobrar o retrovisor para caber no espaço mínimo que separava o meu carro do do vizinho do lado.

O Vizinho n.º 3 veio à janela e começou a dizer ao vizinho n.º1 que não me devia ter ajudado porque depois eu (ou o do lado) não conseguiríamos sair dali sózinhos. Eu própria tive muitas dúvidas se conseguiria sair dali no dia seguinte (mas consegui). :-)

Ontem também fui a última a chegar. Primeira volta ao quarteirão. O vizinho n.1 está na janela a fumar. Vê-me. Segunda volta. Quando chego à Rua de Baixo, o vinho n.º1 já saiu de casa. Está à minha espera. Finto-o virando para o lado oposto. Do lado de cima a situação não está muito melhor, parece que a igreja também organiza qualquer coisa. Mas no fundo do pequeno beco há um lugar. Avancei e estacionei de frente. O Vizinho n.º4 altera a sua marcha para entrar no beco, vir na minha direcção uns 10m, e me dizer que devo fazer inversão de marcha e estacionar de frente pois, naquele sítio, de manhã, com os vidros embaciados, vou ter dificuldade em sair se ficar naquela posição. Digo que sim, que é capaz de ter razão e começo a fazer a manobra enquanto ele faz gestos com a mão e vai dizendo, mais para a frente, ou mais para trás. Entretanto, o Vizinho n.º2 abre a sua janela e assiste ao diálogo.

O vizinho n.º4 aproveita para me dizer que sabe do que está a falar porque é mecânico, embora a oficina já esteja quase fechada, só faz umas coisas. Porque agora (o homem deve ter uns 60 anos) trabalha na Compal. Saio do carro, agradeço muito e ando na direcção de casa. Ele volta para trás para me perguntar se conheço a Rua do Outro Lado, que é onde ele tem a oficina. Digo que sim. Como a oficina já está quase fechada, nem posso acabar a conversa dizendo que se tiver algum problema passo por lá. Mais um obrigado, mais um boa noite. Ele anda alguns passos e depois volta para trás para me explicar exactamente em que porta daquela rua mora. Já não sei o que dizer. Consigo finalmente escapar, sem olhar para trás.


Agora, o que é que se passa com esta gente? É por ser nova na vizinhança? Querem todos conhecer-me? Ou acham que a minha condição feminina faz com que eu seja uma nitwit do volante, que não sobreviverá sem a ajuda masculina, esse olhómetro altamente especializado? Será que se surpreendem por eu conseguir virar e fazer o pisca?


Às vezes é um bocadinho cansativo morar num bairro histórico...

5 comentários:

Jo disse...

ahahahaha
como é bom ter garagem!

:P
beijoca

Abssinto disse...

Tás bem entregue!!! Um arrumador, um mecânico à mão... "torcer e destorcer" acho fabuloso!

bj!

Mosaico incompleto disse...

HAHAHAHA!!
Mulher dirigindo é fogo mesmo...

Mas antes que vc brigue comigo, falei só para implicar, sou péssimo para estacionar!

Se vc estivesse no Rio, não teria problemas para estacionar no dia 12, foi feriado e não tinha vivalma na rua!

bjs

Anônimo disse...

Mas estava toda a gente na praia de Copacabana~tirando fotos com as vacas, não é?

Recebeu a minha encomenda, mosaico?

Mosaico incompleto disse...

recebi sua encomenda hoje e escrevi sobre isso no mosaico, adorei.

bjs