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À medida que falavas, eu ia desenhando o teu retrato mental, encaixando-te num perfil onde o que me dizias fizesse sentido. Um pouco cliché talvez, preconceituoso, eventualmente, mas as tuas características não podiam chover ao acaso, tinha que haver um padrão, um retrato, um tom.
Não disseste se eras filho único, mas imediatamente presumi que fosses. Com um pai doente e depois falecido (disseste) e uma mãe avassaladora (presumi), abdicaste da tua carreira (querias realmente ter uma?), daquilo que a tua licenciatura eventualmente te daria, para te dedicares a um emprego menor, cuja única vantagem seria a de te manter perto dos teus pais e, agora, da tua mãe (estarei certa em adivinhar que ainda moras com ela?).
A mãe avassaladora e protectora do seu único filho impediu-te de estabelecer as relações certas na hora certa, deixou-te tímido e inseguro e agora, ali estavas tu, sózinho, com idade para uma relação, ou sem ela, mas, definitivamente, com idade para teres experiências, vivências.
A tua voz arrastava-se. Falavas provocando o monólogo que se alimentava das minhas frases curtas e não demasiado encorajadoras. Continuavas, talvez com medo que se estabelecesse um silêncio embaraçoso. A certa altura disseste: "Há mais alguma coisa que queiras saber sobre mim?". Nem a boa educação nem a polidez fizeram com que me lembrasse de alguma.
À medida que prosseguias, senti que o teu inicial quase entusiasmo se desvanecia, que morria devagar. Acho que não fui demasiado cruel, mas também não te salvei. Assisti, impassiva, enquanto te enterravas, enquanto vias, devagarinho, a impossibilidade de eu alguma vez retribuir o que pudesses sentir por mim.
Acho que me perguntaste uma vez sobre o meu trabalho. Respondi, sem dizer tudo, mas dizendo o suficiente para suscitar o interesse e as tuas perguntas. "Sim, sim, claro, claro" foi a tua resposta. Ainda não compreendeste que uma das formas de melhor entrusarmos com outra pessoa é interessarmo-nos pelas suas coisas.
Tive pena de ti. E tive pena de ter pena de ti. Porque, no fundo, até não eras mau rapaz, sem tãopouco és feio. Até podias ter charme, se quisesses. Mas não.
Ter-te-ia explicado, se fosse outro o caso, que a lei da vida é a lei do mais forte. O homem que atrai as mulheres é o homem que emana segurança e poder. O homem fraco atrai a mulher protectora, que é mãe daquele homem antes de ser mãe dos seus filhos que depois os trata a todos da mesma forma.
Para o melhor e para o pior, não sou essa mulher protectora que quer acarinhar como a um filho o homem cheio de inseguranças que lhe chega ao pé. Também já vi as consequências perniciosas dessa atitude, a longo prazo.
Por isso, nada me restava que deixar que te enterrasses até que a única alternativa fosse, educadamente, terminar a nossa conversa.
Querido Rui, nunca mais nos veremos e não tenho pena. Talvez encontres uma mulher protectora que se incompatibilize com a tua mãe enquanto esta for viva e depois a substitua; talvez mudes e dês o grito do Ipiranga. Talvez continues na tua vidinha monótona que nada tem a ver com o que eu quero da minha.
Mas foi bom conhecer-te. És mais um detalhe da lei da Vida.
Apresentaram-nos. Este é o Rui, esta é a Lúcia. Estávamos sentados, tínhamos tempo e podíamos conversar.
À medida que falavas, eu ia desenhando o teu retrato mental, encaixando-te num perfil onde o que me dizias fizesse sentido. Um pouco cliché talvez, preconceituoso, eventualmente, mas as tuas características não podiam chover ao acaso, tinha que haver um padrão, um retrato, um tom.
Não disseste se eras filho único, mas imediatamente presumi que fosses. Com um pai doente e depois falecido (disseste) e uma mãe avassaladora (presumi), abdicaste da tua carreira (querias realmente ter uma?), daquilo que a tua licenciatura eventualmente te daria, para te dedicares a um emprego menor, cuja única vantagem seria a de te manter perto dos teus pais e, agora, da tua mãe (estarei certa em adivinhar que ainda moras com ela?).
A mãe avassaladora e protectora do seu único filho impediu-te de estabelecer as relações certas na hora certa, deixou-te tímido e inseguro e agora, ali estavas tu, sózinho, com idade para uma relação, ou sem ela, mas, definitivamente, com idade para teres experiências, vivências.
A tua voz arrastava-se. Falavas provocando o monólogo que se alimentava das minhas frases curtas e não demasiado encorajadoras. Continuavas, talvez com medo que se estabelecesse um silêncio embaraçoso. A certa altura disseste: "Há mais alguma coisa que queiras saber sobre mim?". Nem a boa educação nem a polidez fizeram com que me lembrasse de alguma.
À medida que prosseguias, senti que o teu inicial quase entusiasmo se desvanecia, que morria devagar. Acho que não fui demasiado cruel, mas também não te salvei. Assisti, impassiva, enquanto te enterravas, enquanto vias, devagarinho, a impossibilidade de eu alguma vez retribuir o que pudesses sentir por mim.
Acho que me perguntaste uma vez sobre o meu trabalho. Respondi, sem dizer tudo, mas dizendo o suficiente para suscitar o interesse e as tuas perguntas. "Sim, sim, claro, claro" foi a tua resposta. Ainda não compreendeste que uma das formas de melhor entrusarmos com outra pessoa é interessarmo-nos pelas suas coisas.
Tive pena de ti. E tive pena de ter pena de ti. Porque, no fundo, até não eras mau rapaz, sem tãopouco és feio. Até podias ter charme, se quisesses. Mas não.
Ter-te-ia explicado, se fosse outro o caso, que a lei da vida é a lei do mais forte. O homem que atrai as mulheres é o homem que emana segurança e poder. O homem fraco atrai a mulher protectora, que é mãe daquele homem antes de ser mãe dos seus filhos que depois os trata a todos da mesma forma.
Para o melhor e para o pior, não sou essa mulher protectora que quer acarinhar como a um filho o homem cheio de inseguranças que lhe chega ao pé. Também já vi as consequências perniciosas dessa atitude, a longo prazo.
Por isso, nada me restava que deixar que te enterrasses até que a única alternativa fosse, educadamente, terminar a nossa conversa.
Querido Rui, nunca mais nos veremos e não tenho pena. Talvez encontres uma mulher protectora que se incompatibilize com a tua mãe enquanto esta for viva e depois a substitua; talvez mudes e dês o grito do Ipiranga. Talvez continues na tua vidinha monótona que nada tem a ver com o que eu quero da minha.
Mas foi bom conhecer-te. És mais um detalhe da lei da Vida.
3 comentários:
Eu desejaria boa sorte para ambos. Toda a gente precisa de uma companhia para a vida fazer verdadeiramente sentido.
bj
Agora fizeste-me lembrar a música da Vanessa da Mata. No fundo, o sentido é um bocadinho o mesmo.
Beijinhos
Tu andas de uma lucidez que faz inveja, minha amiga. É isso aí!
Beijos com saudades
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