sexta-feira, julho 13, 2007

Obrigada, mas não!





Exc.ma Snr.ª D. Fulana

Conceda-me v. exc. a gloria de offerecer-lhe um quadro desta galeria. Vai ler um drama intitulado PATOLOGIA DO CASAMENTO.

Pathologia, minha querida snr.ª D. Fulana, é uma palavra grega, composta de pathos, doença e logos, tratado. Quer, por tanto, dizer moléstias do casamento.

Balzac escreveu a “physiologia”; outro, que me não vem á memoria, escreveu a “anatomia do coração”; faltava huma “pathologia”, que aparece agora e, mais tarde, se me não faltar a vista intellectual, que já sinto muito cançada, escreverei a “Pharmacia do casamento”, que hei-de dedicar a uma outra D. Fulana, que eu cá sei.

V. exc.ª é uma senhora fina, que, além de ter a cabeça no seu lugar, apresenta muitas vezes lume no olho. Sympathiso com o seu talento, e talvez casasse com a snr.ª D. Fulana, se tivesse a certeza de podermos entreter o nosso tempo traduzindo os trinta e sete livros de Plínio e os trinta e cinco De língua Latina, de Terêncio Varro, que Deus tem em sua santa gloria.

Penso que v. exc.ª não estaria por isto. O seu espírito tem calefrios de enthusiasmo, e eu, a fallar-lhe a verdade em sua nudez patriarchal, devo dizer-lhe que tenho dentro do peito uma múmia, que poderia valer alguma cousa nas ruínas de Memfis, mas não vale nada no cavername ossudo deste seu creado.

Eu preciso d’uma mulher d’oculos, e pitada constante nos dedos. Quero que ella me fale dos Heraclidas, das Saturnaes de Macrobio, de Creta e de Lacedemonia, da Beocia e Epaminondas.

Eu não sei se v. exc.ª sabe alguma coisa disto; mas desconfio que não. Falla-me muito em Vítor Hugo e na Petite Fadete de George Sand. Já a encontrei a ler Les Liaisons Dangereuses, e a Manon Lescaut. Palpita-me que a snr.ª D. Fulana tem na cabeça muita somma de teas de aranha, e não serei eu a vassoura da limpeza.

Não obstante, respeito-a, admiro-a até ao ponto de lhe offerecer a minha “Pathologia do Casamento

Digne-se v. exc.ª a acolhel-a no regaço da sua benevolência, e dê-me occasiões de mostrar-lhe que sou

De v. exc.ª

O ultimo criado, e o primeiro dos seus admiradores,

Camillo Castello-Branco

2 comentários:

Abssinto disse...

Ai o malandrim;) essa gramática do século XIX...tenho livros antigos comprados em alfarrabistas que vêm impressos assim nesse português, em papel-bíblia...

obrigado

M. disse...

É deliciosa a gramática!